Invisible domination / sensible finitude

Sobre a obra
Nesta obra, eu tomei como ponto de partida uma foto que fiz que apresenta um conjunto de sacos de terra organizados em forma piramidal em um canteiro de obra. Este arranjo, resultado do esforço do corpo de trabalhadores, parece mimetizar uma forma de organização da sociedade presente há muito tempo na sociedade ocidental: a divisão hieráquica da sociedade em classes, onde uma pequena ‘casta’ superior é mantida por uma dominada e numerosa classe inferior.
 
No mundo imerso no neoliberalismo, esse caráter dominador se torna quase invísivel; « a ausência de qualquer traço de dominação de classe »1 é uma marca do discurso da ideologia burguesa. Este discurso se apresenta como « um poder inocente »2, um « representante de interesses gerais da sociedade, longe de ser um aparato opressivo »3, uma opção não-ideológica, como algo « racional, como um estado natural das coisas, invisível »4.
 
Se antes o poder político e os interesses políticos se dissimulavam e se ocultavam por trás da máscara da religião e do sagrado, com a ideologia burguesa, a ciência5 (travestida de elemento neutro e puramente técnico) é o disfarce escolhido. A busca pela transcendência não se perde, mas é ressignificada e passa a ser mediada principalmente pelo acúmulo de riqueza e pelo consumo, pela posição social na sociedade e no universo do trabalho.
 
Frente ao poder dessa estrutura que atravessa gerações, o homem se encontra com a finitude do seu corpo material, com marcas internas e externas da presença dessa estrutura.
 
Tendo essas questões em mente, eu criei uma série de 5 composições, a partir de materiais como o óleo, o papel de seda e o papel transparente.
 
A imagem dos sacos de terra foi impressa de forma reticulada, em uma referência à reprodução dessas estruturas hieráquicas através de discursos da indústria da mídia.
 
Os desenhos, exatos e geométricos, fazem uma referência ao uso da ciência como instrumento de ocultação de interesses políticos. Ao mesmo tempo, eles são produzidos a partir de uma linguagem gráfica sutil e minimalista, sugerindo uma estrutura que busca ser não-identificada e invisível. Os elementos gráficos foram arranjados e separados em diferentes folhas transparentes. Estas depois foram sobrepostas, formando a imagem final e procurando evidenciar que essas estruturas se mantêm e se reproduzem em nós em diversas camadas discursivas.
 
Os papéis de seda remetem ao universo sensível do homem, como uma pele em contato com essas estruturas, guardando-as e mimetizando-as em seu interior. O óleo forma marcas e bolhas que podem nos remeter à diálogos internos, presentes em nosso corpo.
 
A obra é efêmera e de difícil conservação. Sua forma se modifica com a ação do óleo após alguns dias, perdendo sua configuração inicial; contudo, as estruturas presentes na obra persistem e continuam visíveis e presentes. O registro da obra original torna-se também uma obra.
 
2019, mixed media, 42 x 29,7 cm. Papel de seda, óleo, impressão digital sobre filme polyester transparente, papel aquarela Viking.

 


1 Citado por Eagleton, T. (1991). Ideology: an introduction. 1a. ed., Londres: Verso, p.154.
2 Ibid, p. 154
3 Ibid, p. 154
4 Cammaerts, B. (2015). Neoliberalism and the post-hegemonic war of position: The dialectic between invisibility and visibilities. European Journal of Communication, [online] 30(5), p.523. Disponível no endereço: http://eprints.lse.ac.uk/64480/ [Consultado em 30 de dezembro de 2018].
5 Poulantzas, citado por par Eagleton, T. (1991). Ideology: an introduction. 1ère ed. Londres: Verso, p.154
 

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